Artigo publicado no Novas da Galiza, num.154 |
Quando eu era nena a
minha avoa levantava a paletilha, o único orgao que só
possuimos as galegas, nenhuma outra cultura. Quando a paletilha está
caida o quadro sintomático assemelha-se ao que a medicina
moderna catalogaria como ansiedade, stress, depressom:
tristura injustificada,
desacougo, desánimo. Por estar caída,
a paletilha preme na boca do estómago e provoca dificuldades para
respirar fundo, falta de
apetite, dificuldades para conciliar o sono, apatia,..(nom
me estendo
mais, conhecemos o que é).
A
cozinha
da casa da minha avoa é
grande, com a cozinha
de ferro centrada e um mesado de arredor no que bem colhe umha dúzia
de pessoas. Diante dela sentava-se o paciente (sempre lembro homes)
com as pernas esticadas e as costas erguidas. A avoa situada às
costas, agarrava os braços e esticava-os cara o teito. Se as pontas
dos dedos nom coincidiam na altura, confirmava-se o diagnóstico.
Entom levava-lhe os braços, adiante, atrás, adiante, atrás, várias
vezes até que a paletilha se re-colocava.
Se nuns dias os sintomas permaneciam, cumpria repetir a operaçom.
Mas tinha mui boa sona a minha avoa na
minha paróquia de Lugo, que
colocava mui bem a paletilha,
mas nunca albisquei nela
nenhuma mostra de vanidade por isto.
Noutras
latitudes da Galiza a
explicaçom dos problemas com a paletilha (ou
espinhela),
nom é exactamente a mesma, e também
se ajudam
de algumha erva, com as que se fustigam às costas, como
o loureiro (Laurus nobile),
dalgum reço que desconheço e
de aceites e alcolaturas para
fregar o peito e as costas.
Outras fórmulas para espantar ao demo da casa
consistem em queimar ervas secas como a abelúria
ou erva de Sam Joám (Hipericum perforatum)
para purificar o ambiente, erva à qual é
relativamente recente a
atribuiçom de propriedades anti-depressivas no ámbito farmacêutico.
Noutras ocasions, o
tratamento da tristura
está mais próximo a nossa comprensom das ervas medicinais,
utilizando tisanas, como sucede com o romeu (Rosmarinus
officinale).
A
paletilha caída e a
depressom som formas
distintas de nomear factos similares, já
que se os considerasse-mos idénticos estariamos a simplificar muito
a questom. Cada umha delas
som enfermidades de duas sociedades distintas e, ainda que
objectivamente
sejam similares, nom o som culturalmente. Cada
sociedade gera as suas próprias enfermidades e desenvolve a sua
cura, atendendo a sua cosmovisom
e experiéncia colectiva, por
isto a partir dos anos 90 do século passado, a minha avoa deixou de
subir paletilhas, mesmo esta desapareceu do corpo das vizinhas. Se
agora perguntamos por ela, as respostas ecoam certa vergonha, nom
assim ao falar de ansiolíticos e psico-terapeutas.
Agora
que estamos a comprender que
a visom
mecanicista do corpo que aplica a medicina convencional tem grandes
limitações,
e que a depressom se converte
no primeiro problema de saúde pública, parece
tomar pulo outra cosmovisom
distinta sobre a saúde e a
enfermidade, a vida e a morte,
na que, no
lugar da paletilha, temos
o terceiro chackra
e o demo nom se espanta, senom que se constelam aos mortos.
Mas
se, dum ou doutro
jeito, o problema persiste, quiçá deveríamos
procurar outros dos
ingredientes principais do
remédio da paletilha: Aquela
comunidade sentada ao redor do lume, frente a qual umha pessoa
expunha a sua dor e topava, por
médio de
aquele
ritual, a empatia e
comprensom das suas; e
a
gratuitidade da habilidade da minha avoa, como
a de tantas outras, que
nom era reconhecida como individual
e, polo
tanto, nem obtinha nem
procurava nenhum lucro.